sábado, 18 de dezembro de 2010


Elementos de uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura na região Amazônica*

Antônio Salazar P. Brandão

O elevado crescimento esperado para a demanda mundial por alimentos e por combustíveis provenientes de fontes renováveis deverá ter reflexos sobre o setor agrícola no Brasil e, em conseqüência, sobre a região Amazônica.

A elevada competitividade de nossa agricultura e a disponibilidade de terras aptas para cultivo levarão fatalmente o país a contribuir de forma importante para atender a expansão da demanda mundial por produtos de base agropecuária. Investimentos de produtores grandes, médios e pequenos ocorrerão em praticamente todas as regiões do país, inclusive na Amazônia.

As políticas públicas deverão compatibilizar as demandas por terra para fins agrícolas e florestais com as crescentes demandas pela preservação da floresta nativa e sua biodiversidade. Neste aspecto a responsabilidade do Brasil é grande pois a área com florestas nativas do país é uma das maiores do mundo.

Durante um longo período, que se iniciou nos anos 1970 e foi até aproximadamente o início dos anos 1990, a política oficial promoveu o desenvolvimento da Amazônia com investimentos em infraestrutura de transporte, subsídios generosos associados à concessão de crédito e incentivos fiscais. Estas políticas atraíram capitais para a região, levaram à expansão da agropecuária, principalmente da pecuária, e ao mesmo tempo contribuíram para acelerar o desmatamento na região.

Com o final desta ação deliberada de ocupação os incentivos diminuíram. Não obstante o processo de incorporação de novas áreas para a atividade agrícola e pecuária continuou em função de condições econômicas propícias para as mesmas. O crescimento da produção agropecuária local decorre também do fato de que a distância das demais regiões produtoras do país é grande e da existência de mercados urbanos próximos, como Manaus, Belém e mesmo Brasília. Em síntese, a dinâmica do crescimento recente da região Amazônica indica que a produção agrícola na região é rentável mesmo sem os generosos subsídios concedidos no passado. Não obstante, coloca-se para a sociedade e para o administrador público o problema de estabelecer políticas que compatibilizem as oportunidades econômicas com as externalidades negativas que daí decorrem, principalmente no que se refere ao desmatamento.

Praticamente todas as atividades econômicas, a agropecuária inclusive, têm impactos negativos sobre o meio ambiente. As crescentes preocupações mundiais com o fenômeno do aquecimento global e com a disponibilidade de água potável no futuro tornaram imprescindível que sejam cuidadosamente considerados os custos e os benefícios da expansão de atividades econômicas.

No caso da Amazônia o custo da supressão da floresta é o centro da atenção mundial. A análise econômica sugere que a expansão da agropecuária com supressão da floresta é justificada quando os benefícios daí advindos são maiores do que os custos, incluindo-se nestes os custos ambientais. A análise tradicional de projetos tem procedimentos bem estabelecidos para estimar benefícios e também uma parte expressiva dos custos nestas situações. Não obstante, a avaliação dos custos ambientais ainda apresenta desafios significativos particularmente pelas dificuldades de conseguir informações adequadas. A superação destas dificuldades poderá contribuir para dar maior racionalidade e transparência ao debate nacional e internacional sobre a exploração da Amazônia.

Na medida em que o mercado de carbono venha a se consolidar os analistas poderão recorrer aos preços para avaliarem os custos associados à redução no seqüestro de CO2 bem como o estoque de CO2 liberado pela supressão da floresta.

Outros aspectos do problema são ainda mais difíceis, como por exemplo, atribuir valor aos efeitos sobre a qualidade do ar, sobre a prevenção de deslizamentos, sobre redução da erosão do solo e sobre a regularização do ciclo das chuvas.

Uma dificuldade adicional é de natureza política. Na medida em que exista um dilema entre desmatar e expandir a agricultura deve-se considerar que os benefícios e os custos nem sempre afetam as mesmas pessoas. Impedir a expansão agrícola reduz as oportunidades de renda e emprego nos locais onde isto ocorre. Por outro lado, alguns dos benefícios da proteção da floresta recaem sobre os habitantes locais, mas uma grande parte, talvez a maior parte, recaia sobre pessoas de outras regiões, de outros países e de outras gerações.

A supressão de florestas pode ser benéfica para a sociedade mundial: impedir seu corte pode ter custos maiores do que benefícios. Mas é imperativo que a sociedade encontre formas de atender as demandas que recaem sobre a agricultura da região reduzindo ao mínimo o desmatamento.

A tecnologia, principalmente através de inovações que sejam poupadoras de terra, é uma das maneiras mais eficazes para que a agricultura enfrente os desafios de aumentar a produção e reduzir ao mínimo o desmatamento na Amazônia. Ao lado da modernização faz-se necessário valorizar os serviços da floresta e racionalizar o uso do solo, notadamente através de ações que induzam o uso da área já desmatada para finalidades produtivas.

A racionalização do uso do solo será conseguida se forem usados simultaneamente instrumentos de comando e controle associados a incentivos econômicos que sejam consistentes com os objetivos pretendidos. O estabelecimento de uma política que tenha como base os dois pilares é essencial tendo em vista a dimensão da área considerada e os custos de seu monitoramento. Somente os incentivos econômicos não serão suficientes uma vez que atividades ilegais, como exploração madeireira e ocupação de áreas com direitos de propriedade que não estão bem definidos, podem ter rentabilidades extremamente elevadas tornando inócuos os incentivos. Por outro lado instrumentos de comando e controle implantados sem a devida consideração dos incentivos econômicos terão custos de monitoramento proibitivos.

Chomitz, Thomas e Brandão** mostram através de simulações que a implantação de cotas florestais negociáveis pode reduzir de forma expressiva os custos de satisfazer as determinações do código florestal no que diz respeito à reserva legal no Estado de Minas Gerais. Este mecanismo permite que a escolha da área para constituir a reserva legal seja feita de maneira a levar em conta aptidão do solo e as oportunidades de mercado. Um dos benefícios, conforme mostra o trabalho, é a redução de custos para cumprir a legislação. Com isto também serão menores os custos de monitoramento para o poder público. As cotas florestais negociáveis poderão contribuir sobremaneira para a racionalização do uso do solo na região Amazônica.

As crescentes preocupações da sociedade com a preservação ambiental irão restringir cada vez mais a forma como se dará a expansão agrícola naquela região. Os consumidores já começam a rejeitar produtos provenientes de áreas desmatadas ilegalmente, como são os casos de iniciativa da indústria de processamento de soja e de importantes frigoríficos. Esta tendência provavelmente se acentuará nos próximos anos e é um dos incentivos mais efetivos para que a exploração agropecuária na região seja feita dentro de padrões ambientalmente adequados.

O poder público é parte essencial do desenvolvimento da agricultura na região Amazônica. Suas ações devem contemplar a criação de incentivos econômicos compatíveis com os objetivos do desenvolvimento e de preservação da floresta ao mesmo tempo em que aciona os mecanismos usuais de comando e controle. A extensão da Amazônia e as pressões econômicas sugerem que somente terão sucesso iniciativas que congreguem estas duas vertentes de atuação.
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* Este artigo é baseado no trabalho com o mesmo titulo apresentado pelo autor no seminário “Amazônia: Visão Estratégica”, realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, nos dia 12 e 13 de outubro de 2010 em Brasília.
** Chomitz, Kenneth; Timothy S. Thomas e Antônio Salazar P. Brandão. The economic and environmental impact of trade in forest reserves: a simulation analysis of options for dealing with habitat heterogeneity. Revista de Economia Rural, vol. 43, nº 4, out/dez 2005.