sábado, 18 de junho de 2011

Artigo publicado na Revista de Política Agrícola, Jan/Mar 2011

Preços elevados de commodities
Antônio Salazar P. Brandão
O recente aumento dos preços das commodities vem chamando a atenção dos líderes mundiais. Em momentos de elevada volatilidade como este, surgem várias proposições para tentar explicar o problema. Há, por exemplo, quem diagnostique o fenômeno apenas como mais uma manifestação da volatilidade dos preços das commodities, volatilidade que seria ocasionada por safras ruins, pela especulação financeira e pela política monetária pouco restritiva em vigor nos Estados Unidos. Qualquer que seja a interpretação, várias propostas vêm sendo feitas para a solução do problema, como a formação de estoques reguladores e a atuação sobre a especulação financeira, com os ativos baseados nos preços das commodities.

Com efeito, no período compreendido entre dezembro de 2009 e dezembro de 2010, segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), observou-se elevado aumento de preços de várias commodities: o algodão, em 116%; o óleo de palma, em 59%; o milho, em 51%; o trigo, em 47%; o óleo de soja, em 37%; a carne bovina, em 33%; o óleo de girassol, em 28%; o óleo de canola, em 27%; e o açúcar, em 23%. O contraponto é oferecido pelos preços do arroz e do suco de laranja, que diminuíram 13% e 30%, respectivamente.

Temo que o aumento de preços de commodities agrícolas, particularmente o dos alimentos, seja resultado de elementos de natureza mais duradoura. A elevação dos preços mostra que, de fato, acentuou-se uma tendência que já vinha se manifestando há algum tempo. A figura a seguir ilustra a evolução anual dos índices de preços de alimentos do FMI, de 2000 a 2010, indicando um aumento real de 44%. No mesmo período, os preços do petróleo aumentaram 122%.

Entendo que alguns eventos podem explicar esse comportamento, como: o aumento da população mundial; o crescimento econômico de países emergentes; o crescente grau de urbanização observado nos países em desenvolvimento; as restrições ambientais, cada vez mais severas, de uso de terras com finalidade agropecuária; e a crescente participação da agricultura na produção de combustíveis renováveis, particularmente o álcool e o biodiesel. O aumento do preço do petróleo é parte integrante do quadro, como evidenciado na figura apresentada.
Os elementos indicados acima deverão continuar a exercer influência altista sobre os preços das commodities agrícolas no futuro. A seguir, analiso dois deles.
As restrições ambientais dificultarão a incorporação de novas áreas à produção agrícola. As regiões com maior disponibilidade de terras aptas para a agricultura, como o Brasil e alguns países da África, se verão cada vez mais afetadas por essas restrições, o que reduzirá a capacidade de resposta da produção ao aumento previsto na demanda.


A produção de combustíveis renováveis em substituição ao petróleo é outro elemento a ser considerado. Ainda que em alguns países, como o Brasil, a disponibilidade atual de terras seja suficiente para responder ao desafio e evitar conflitos entre uma provável disputa de uso da terra para a produção de alimentos ou para a produção de etanol, o mesmo não se aplica a outros países. A produção de etanol nos Estados Unidos e a produção de biodiesel na Europa exemplificam essa situação oposta.

A questão aumenta de proporção se considerarmos que a demanda por combustíveis renováveis deverá crescer a taxas muito elevadas nos próximos anos, o que fatalmente se refletirá em pressão sobre as áreas agricultáveis de todos os países. Isso resultará em encarecimento dos alimentos, que provocará expressiva perda de bem-estar social em países mais pobres, cuja população gasta grande parcela de sua renda com a aquisição de alimentos.

O mais importante elemento mitigador da tendência altista nos preços são as inovações que aumentam a produtividade da terra. É imprescindível, então, que os investimentos em pesquisa agropecuária, em todo o mundo, sejam mantidos e ampliados. E tão importante quanto manter e aumentar os investimentos é dar atenção especial para o estabelecimento de prioridades para a pesquisa de forma a privilegiar tecnologias que tenham potencial para aumentar a produtividade da terra e para tornar os métodos de produção de combustíveis renováveis menos intensivos no uso da terra e mais eficientes na conversão da matéria-prima em energia.
Referência
IMF. International Monetary Found. Primary Commodity Prices. Washington, DC, 2011. Disponível em:

Acesso em: 20 jan. 2001.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A taxa de câmbio real de equilíbrio no Brasil: 1980 – 2010
Antônio Salazar P. Brandão

O debate sobre o nível da taxa de câmbio é recorrente no Brasil. Este debate se coloca em duas vertentes. Uma delas são as relações entre inflação e taxa de câmbio. A outra são as relações entre taxa de câmbio, saldo em transações correntes e saldo da conta capital e financeira do balanço de pagamentos.

A discussão na segunda vertente está efervescente e se desenvolve sobre o pano de fundo da expressiva entrada de capitais nos últimos anos e a valorização do Real. Alguns se referem ao problema como desindustrialização, pois a valorização da taxa de câmbio real prejudica os produtores domésticos que produzem bens para exportação e os produtores de bens que competem com as importações e, em consequência, tem impactos negativos sobre o crescimento do país. Outros, ao contrário, argumentam que o investimento direto aumentou expressivamente e que mesmo o capital que entra sob a forma de investimento em carteira contribui para a capitalização das empresas e seu fortalecimento.

Uma das lacunas do debate é a falta de um padrão objetivo de comparação para determinar o grau de valorização. O padrão de comparação necessário é a taxa de câmbio real de equilíbrio. Em trabalho recém completado, cuja referência completa encontra-se ao final do texto, fiz estimativas da referida taxa. Os valores estimados foram comparados aos valores observados entre o quarto trimestre de 1981 e o segundo trimestre de 2010. O gráfico mostra a diferença percentual entre a taxa de equilíbrio e a taxa observada.

Entre o primeiro trimestre de 1981 e o primeiro trimestre de 1983 a taxa de câmbio real estava abaixo do equilíbrio. Após a desvalorização ocorrida no início de 1983 o desequilíbrio cambial diminuiu até o início de 1989 quando novamente observa-se forte valorização que chega ao valor máximo de 63% no primeiro trimestre de 1990. O desequilíbrio permaneceu acima de 10% até o segundo trimestre de 2008. A partir de então se observa uma redução gradual do grau de valorização. Entre o primeiro trimestre de 1999 e o primeiro trimestre de 2005 houve novamente um forte desequilíbrio cambial, desta vez o valor da moeda abaixo do equilíbrio. A partir de então, a menos do que ocorreu no quarto trimestre de 2008 provavelmente em decorrência da crise internacional, a diferença entre as duas taxas é bem menor.

Mantidas as condições econômicas a tendência é que não ocorram variações de caráter permanente na taxa de câmbio. Não obstante, segundo mostra o estudo, dois fatores, ambos passíveis de serem diretamente influenciados pela política econômica, podem alterar a taxa de câmbio real: a taxa de juros e o nível de reservas do país.

Após um período de relativa estabilidade entre 2001 e 2005, a taxa de juros real no Brasil vem diminuindo, comportamento que contribui para reduzir a valorização da moeda. Entretanto, como ainda é uma taxa muito elevada em comparação à de outros países é possível e desejável que esta redução continue. Não obstante, a continuidade depende de condições internas favoráveis, notadamente o comportamento das expectativas de inflação. O crescimento do déficit público pode comprometer o processo de redução da taxa de juros.

O elevado nível de reservas contribui de maneira significativa para a valorização da taxa de câmbio real. Após receber grau de investimento de três agências de avaliação de risco de crédito e simultaneamente observar o prêmio de risco na dívida soberana se reduzir o país pode reduzir o volume de reservas.

Diversos analistas argumentam em favor de uma desvalorização da moeda para manter a competitividade dos setores produtores de bens comercializáveis. Não existe consenso sobre como isto deve ser feito, sendo que alguns chegam a advogar a volta ao sistema de taxa de câmbio administrada. Com base nos resultados do trabalho fica evidente que soluções que não contemplem os determinantes da taxa de câmbio real não serão sustentáveis e irão provocar desequilíbrios futuros e riscos elevados para a tomada de decisões pelo setor privado.

Brandão, Antônio Salazar P. A taxa de câmbio real de equilíbrio no Brasil: 1980 – 2010, em https://sites.google.com/site/antoniosalazarpbrandao/artigos-selecionados?pli=1