quinta-feira, 26 de março de 2009

Ainda a política fiscal

Antônio Salazar P. Brandão

A partir do mês de outubro de 2008 os superávits primários do governo federal e do setor público começaram a diminuir como consequência da crise internacional. Observa-se que ocorre uma queda mais acentuada no superávit governo federal no período e isto se deve, em parte, aos cerca de quatorze bilhões de reais alocados ao fundo soberano em dezembro de 2008.

A receita do governo federal apresentou queda acentuada a partir de outubro e este processo deverá continuar durante o ano de 2009 induzido principalmente pela redução no nível da atividade econômica. As receitas dos governos estaduais e municipais também diminuíram.

Mas a redução do superávit primário do governo federal também está associada ao comportamento de sua despesa. Houve um aumento de cerca de R$ 4 bilhões entre outubro de 2008 e janeiro de 2009 considerando-se valores reais acumulados em 12 meses deflacionados pelo IPCA. Este aumento tem como principal causa as despesas com pessoal e encargos: no mesmo período elas cresceram em aproximadamente R$ 7 bilhões.

Incluindo o período anterior à eclosão dos problemas na economia americana e sua disseminação pelo mundo, notar que entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009 as receitas aumentaram 6%, a despesa total aumentou 4%, as despesas com pessoal e encargos aumentaram 7%, as despesas com benefícios previdenciários aumentaram 1% e as despesas de custeio e capital aumentaram 4%. Enfim, o problema do aumento de gastos não é novo. A novidade é que a receita está diminuindo.

A combinação de redução de receita e aumento de despesa com pessoal que se apresenta a partir de outubro de 2008 deve ser olhada com atenção pelos formuladores da política econômica. De um lado, porque existem muitas dificuldades para reduzir despesas com pessoal em curto prazo. De outro lado, o comportamento da receita depende do nível da atividade econômica cuja evolução será, em grande medida, determinada pela profundidade e pela duração da recessão mundial.

Neste quadro de aperto orçamentário o ajuste recairá sobre despesas de investimento. Este é um comportamento padrão de muitos governos que se vêm em situação de dificuldades orçamentárias. O governo brasileiro não deverá fugir à regra. Pressionado pelos interesses daqueles que se beneficiam dos gastos correntes e de seu aumento, o governo poderá reduzir ainda mais sua baixa taxa de investimento. Esta decisão irá encontrar resistências, mas estas são baseadas em ganhos que somente poderão se materializar no futuro e têm pouca capacidade de mobilizar e exercer pressão sobre o governo. Entretanto muitos dos beneficiários de maiores gastos correntes são prestadores de serviços públicos essenciais, como saúde e segurança, com grande capacidade de se mobilizar e pressionar o executivo, o legislativo e mesmo o judiciário para que tais despesas não sejam cortadas.

Não obstante, como argumentei neste blog na matéria do dia 6 de março, o aumento do investimento público é a maneira mais efetiva para dar os estímulos fiscais que reduzam os efeitos negativos da crise internacional sobre a economia. Além dos efeitos no curto prazo, o investimento público criará condições para garantir que o país volte a ter crescimento elevado e sustentável e para que suas empresas fiquem mais competitivas. Em outras palavras, para que o país saia mais forte desta crise.

Infelizmente está faltando uma diretriz estratégica para o Brasil. O governo federal não articulou uma visão para reagir à crise, apenas age pontualmente com medidas emergenciais tais como a redução do IPI dos automóveis, o programa recém anunciado de moradias, e cria figuras retóricas, tais como cofrinhos, marolinhas, tsunamis e outras, que desviam a atenção da sociedade e de alguns dos responsáveis pela formulação de políticas.

Uma visão estratégica neste momento deveria ser formulada em torno da idéia de aumentar o investimento público federal para 3% do PIB nos próximos dois ou três anos e mudar a composição das despesas públicas reduzindo gastos correntes. Com isto a economia será estimulada no presente e serão criadas condições para que as empresas brasileiras se tornem mais competitivas e tirem melhor proveito da retomada do crescimento mundial.

Montando sua estratégia em torno de uma visão desta natureza o governo não precisará se intimidar diante da redução de suas receitas. A reputação do Brasil melhorou nos últimos quinze ou dezesseis anos graças ao esforço que a sociedade e suas lideranças fizeram para conseguir a estabilidade da moeda e para sensibilizar os executivos do setor público sobre responsabilidade fiscal. Em vista disto é possível conviver temporariamente com superávits primários menores ou mesmo com déficits primários. A palavra chave é temporariamente.

Caso a estratégia seja consistente o governo não terá dificuldades em convencer a sociedade e principalmente os seus financiadores diretos de que maiores déficits nominais no presente serão compensados no futuro por superávits que garantam o pagamento tempestivo dos serviços da dívida pública. Os superávits futuros não terão que estar associados a aumentos da carga tributária. Primeiro porque as receitas voltarão a aumentar em consequência da retomada do crescimento econômico em condições melhores de competitividade para as empresas. Segundo porque os gastos correntes serão menores. Terceiro porque a redução em curso da taxa de juros diminui o custo financeiro associado à dívida pública. E por fim porque ao final de alguns anos a deficiência da infraestrutura será bem menor e o investimento público federal poderá ser reduzido para níveis mais baixos sem comprometer a capacidade de crescimento do país.

sexta-feira, 6 de março de 2009


Rio de Janeiro, 6 de março de 2009.
A crise internacional e a condução da política fiscal no Brasil


Antônio Salazar P. Brandão*

Com o intuito de reduzir os efeitos da crise internacional, os países desenvolvidos e muitos países em desenvolvimento estão tomando medidas de estímulo às suas economias. De um lado encontram-se iniciativas de natureza monetária que têm por objetivo aumentar a liquidez, restaurar os canais de concessão de crédito e estimular a demanda por bens e serviços através da redução das taxas de juros. De outro lado encontram-se iniciativas que estimulam diretamente a demanda por bens e serviços através de expansão dos gastos públicos e redução de impostos.

O governo brasileiro também está procurando fazer a sua parte para diminuir os impactos negativos sobre o país. A venda de dólares por parte do Banco Central bem como a redução do depósito compulsório dos bancos comerciais são iniciativas importantes para melhorar o fluxo de crédito para as empresas. A redução da taxa Selic, iniciada na reunião de janeiro do COPOM, poderá também estimular o consumo e o investimento.

A política fiscal, que consiste na administração dos gastos públicos e dos impostos, também faz parte das medidas que o governo está adotando. Porém a margem de manobra neste caso é menor pois no passado uma grande parte de receitas do setor público foi usada para aumentar despesas correntes, notadamente salários e programas de natureza social. Apesar disto os superávits primários foram mantidos pelo crescimento da arrecadação que veio na esteira do elevado crescimento do PIB. A partir de agora o governo já não pode contar com crescimento da receita para pagar os gastos. A receita diminui no momento em que os estímulos fiscais são mais necessários para compensar, ao menos em parte, os efeitos internos do baixo crescimento da economia mundial.

A redução de receita, entretanto, não pode inibir o governo de promover estímulos fiscais, mesmo que isto venha a reduzir o superávit primário. Não obstante, a escolha das formas e instrumentos para promover os estímulos é muito importante para que o objetivo seja atingido.

O Brasil conseguiu reduzir significativamente o grau de discricionariedade de sua política econômica nos últimos vinte anos. Como exemplos, lembramos que foram reduzidas em muito as intervenções nos mercados de produtos agrícolas, foram eliminados os sistemas de licença de importação e controle de exportação e a reforma tarifária reduziu o grau de heterogeneidade no valor da tarifa efetivamente paga por cada setor. A lei Kandir também reduziu de maneira importante o grau de discriminação em relação à exportação produtos primários e semi manufaturados.

Neste sentido, a redução do IPI que incide sobre a indústria automobilística é um retrocesso pois discrimina contra os demais setores e contribui para reduzir sua competitividade. Melhor seria reduzir o IPI de todas as indústrias. Segundo notícias recentes o governo federal está considerando permitir que o pagamento de prestações da casa própria seja interrompido por um período de três anos para pessoas que perderam emprego. Esta medida privilegia os desempregados que têm dívida imobiliária em relação àqueles que não têm. Melhor seria conceder benefício a todos os desempregados através de aumento no salário desemprego e também através de uma extensão do período de concessão do mesmo.

Outra medida que, segundo notícias recentes está sendo considerada pelo governo, é a doação de casas a pessoas de baixa renda. Digo doar pois o pagamento de prestações de R$20,00 / R$30,00 é efetivamente uma doação. Esta medida vai promover um estímulo para a indústria da construção civil que gera muitos empregos. Entretanto, obviamente não será possível atender em condições tão favoráveis a todos aqueles que desejam a casa própria e se qualificam para o programa. Há assim uma discriminação em favor de um grupo relativamente reduzido de pessoas. Uma dificuldade adicional é que os agraciados irão adquirir a casa própria como uma benesse do poder público e não como resultado do esforço de poupança das famílias.

É bom lembrar ainda que reduções de impostos diretos, como o imposto de renda, IPTU e outros podem não ser tão efetivas quanto parecem pois os beneficiados, diante das incertezas da crise econômica, poderão entesourar esta renda adicional ao invés de adquirir bens e serviços.

Estes são exemplos de que no terreno dos estímulos diretos para o crescimento da demanda por bens e serviços o governo brasileiro ainda não encontrou o caminho mais adequado. O país tem imensas deficiências de investimento público para recuperação da infraestrutura viária, para melhoria dos sistemas educacional e de saúde, bem como para melhorar a segurança pública. Por que não dar prioridade a estes investimentos ao invés de destinar os recursos para determinados grupos de indivíduos e de empresas em detrimento de outros indivíduos e empresas? Por que não abandonar o clientelismo e elevar o investimento público, que é inferior a 1% do PIB, para valores mais expressivos como 2%, ou mesmo 3%, do PIB? Caso isto seja feito, os estímulos fiscais reduzirão os efeitos da crise internacional sobre o país e, ao mesmo tempo, o governo estará fortalecendo os fundamentos para manter uma taxa de crescimento mais elevada no longo prazo.