sábado, 18 de dezembro de 2010


Elementos de uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura na região Amazônica*

Antônio Salazar P. Brandão

O elevado crescimento esperado para a demanda mundial por alimentos e por combustíveis provenientes de fontes renováveis deverá ter reflexos sobre o setor agrícola no Brasil e, em conseqüência, sobre a região Amazônica.

A elevada competitividade de nossa agricultura e a disponibilidade de terras aptas para cultivo levarão fatalmente o país a contribuir de forma importante para atender a expansão da demanda mundial por produtos de base agropecuária. Investimentos de produtores grandes, médios e pequenos ocorrerão em praticamente todas as regiões do país, inclusive na Amazônia.

As políticas públicas deverão compatibilizar as demandas por terra para fins agrícolas e florestais com as crescentes demandas pela preservação da floresta nativa e sua biodiversidade. Neste aspecto a responsabilidade do Brasil é grande pois a área com florestas nativas do país é uma das maiores do mundo.

Durante um longo período, que se iniciou nos anos 1970 e foi até aproximadamente o início dos anos 1990, a política oficial promoveu o desenvolvimento da Amazônia com investimentos em infraestrutura de transporte, subsídios generosos associados à concessão de crédito e incentivos fiscais. Estas políticas atraíram capitais para a região, levaram à expansão da agropecuária, principalmente da pecuária, e ao mesmo tempo contribuíram para acelerar o desmatamento na região.

Com o final desta ação deliberada de ocupação os incentivos diminuíram. Não obstante o processo de incorporação de novas áreas para a atividade agrícola e pecuária continuou em função de condições econômicas propícias para as mesmas. O crescimento da produção agropecuária local decorre também do fato de que a distância das demais regiões produtoras do país é grande e da existência de mercados urbanos próximos, como Manaus, Belém e mesmo Brasília. Em síntese, a dinâmica do crescimento recente da região Amazônica indica que a produção agrícola na região é rentável mesmo sem os generosos subsídios concedidos no passado. Não obstante, coloca-se para a sociedade e para o administrador público o problema de estabelecer políticas que compatibilizem as oportunidades econômicas com as externalidades negativas que daí decorrem, principalmente no que se refere ao desmatamento.

Praticamente todas as atividades econômicas, a agropecuária inclusive, têm impactos negativos sobre o meio ambiente. As crescentes preocupações mundiais com o fenômeno do aquecimento global e com a disponibilidade de água potável no futuro tornaram imprescindível que sejam cuidadosamente considerados os custos e os benefícios da expansão de atividades econômicas.

No caso da Amazônia o custo da supressão da floresta é o centro da atenção mundial. A análise econômica sugere que a expansão da agropecuária com supressão da floresta é justificada quando os benefícios daí advindos são maiores do que os custos, incluindo-se nestes os custos ambientais. A análise tradicional de projetos tem procedimentos bem estabelecidos para estimar benefícios e também uma parte expressiva dos custos nestas situações. Não obstante, a avaliação dos custos ambientais ainda apresenta desafios significativos particularmente pelas dificuldades de conseguir informações adequadas. A superação destas dificuldades poderá contribuir para dar maior racionalidade e transparência ao debate nacional e internacional sobre a exploração da Amazônia.

Na medida em que o mercado de carbono venha a se consolidar os analistas poderão recorrer aos preços para avaliarem os custos associados à redução no seqüestro de CO2 bem como o estoque de CO2 liberado pela supressão da floresta.

Outros aspectos do problema são ainda mais difíceis, como por exemplo, atribuir valor aos efeitos sobre a qualidade do ar, sobre a prevenção de deslizamentos, sobre redução da erosão do solo e sobre a regularização do ciclo das chuvas.

Uma dificuldade adicional é de natureza política. Na medida em que exista um dilema entre desmatar e expandir a agricultura deve-se considerar que os benefícios e os custos nem sempre afetam as mesmas pessoas. Impedir a expansão agrícola reduz as oportunidades de renda e emprego nos locais onde isto ocorre. Por outro lado, alguns dos benefícios da proteção da floresta recaem sobre os habitantes locais, mas uma grande parte, talvez a maior parte, recaia sobre pessoas de outras regiões, de outros países e de outras gerações.

A supressão de florestas pode ser benéfica para a sociedade mundial: impedir seu corte pode ter custos maiores do que benefícios. Mas é imperativo que a sociedade encontre formas de atender as demandas que recaem sobre a agricultura da região reduzindo ao mínimo o desmatamento.

A tecnologia, principalmente através de inovações que sejam poupadoras de terra, é uma das maneiras mais eficazes para que a agricultura enfrente os desafios de aumentar a produção e reduzir ao mínimo o desmatamento na Amazônia. Ao lado da modernização faz-se necessário valorizar os serviços da floresta e racionalizar o uso do solo, notadamente através de ações que induzam o uso da área já desmatada para finalidades produtivas.

A racionalização do uso do solo será conseguida se forem usados simultaneamente instrumentos de comando e controle associados a incentivos econômicos que sejam consistentes com os objetivos pretendidos. O estabelecimento de uma política que tenha como base os dois pilares é essencial tendo em vista a dimensão da área considerada e os custos de seu monitoramento. Somente os incentivos econômicos não serão suficientes uma vez que atividades ilegais, como exploração madeireira e ocupação de áreas com direitos de propriedade que não estão bem definidos, podem ter rentabilidades extremamente elevadas tornando inócuos os incentivos. Por outro lado instrumentos de comando e controle implantados sem a devida consideração dos incentivos econômicos terão custos de monitoramento proibitivos.

Chomitz, Thomas e Brandão** mostram através de simulações que a implantação de cotas florestais negociáveis pode reduzir de forma expressiva os custos de satisfazer as determinações do código florestal no que diz respeito à reserva legal no Estado de Minas Gerais. Este mecanismo permite que a escolha da área para constituir a reserva legal seja feita de maneira a levar em conta aptidão do solo e as oportunidades de mercado. Um dos benefícios, conforme mostra o trabalho, é a redução de custos para cumprir a legislação. Com isto também serão menores os custos de monitoramento para o poder público. As cotas florestais negociáveis poderão contribuir sobremaneira para a racionalização do uso do solo na região Amazônica.

As crescentes preocupações da sociedade com a preservação ambiental irão restringir cada vez mais a forma como se dará a expansão agrícola naquela região. Os consumidores já começam a rejeitar produtos provenientes de áreas desmatadas ilegalmente, como são os casos de iniciativa da indústria de processamento de soja e de importantes frigoríficos. Esta tendência provavelmente se acentuará nos próximos anos e é um dos incentivos mais efetivos para que a exploração agropecuária na região seja feita dentro de padrões ambientalmente adequados.

O poder público é parte essencial do desenvolvimento da agricultura na região Amazônica. Suas ações devem contemplar a criação de incentivos econômicos compatíveis com os objetivos do desenvolvimento e de preservação da floresta ao mesmo tempo em que aciona os mecanismos usuais de comando e controle. A extensão da Amazônia e as pressões econômicas sugerem que somente terão sucesso iniciativas que congreguem estas duas vertentes de atuação.
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* Este artigo é baseado no trabalho com o mesmo titulo apresentado pelo autor no seminário “Amazônia: Visão Estratégica”, realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, nos dia 12 e 13 de outubro de 2010 em Brasília.
** Chomitz, Kenneth; Timothy S. Thomas e Antônio Salazar P. Brandão. The economic and environmental impact of trade in forest reserves: a simulation analysis of options for dealing with habitat heterogeneity. Revista de Economia Rural, vol. 43, nº 4, out/dez 2005.

sábado, 17 de outubro de 2009

Instrumento errado

Antônio Salazar P. Brandão*

Algumas análises do comportamento recente da taxa de câmbio no Brasil têm dado ênfase aos efeitos negativos da valorização do Real sobre a performance de segmentos do setor produtor de bens comercializáveis no país, notadamente produtos manufaturados. Tais análises chamam a atenção para a competição externa nos produtos da indústria brasileira, argumentando que a valorização de nossa moeda está reduzindo a competitividade dos segmentos que produzem para o mercado externo e também daqueles que produzem bens que competem com as importações. Alguns desses analistas vêm advogando a administração da taxa de câmbio e o controle da entrada de capitais.

O argumento desses analistas entretanto se baseia no instrumento errado para tratar problemas de baixa competitividade setorial. A forma adequada e transparente de proteger um setor da concorrência, se assim o país o desejar, são tarifas, instrumento aceito pelas regras da OMC. Dar proteção a produtores de bens exportáveis é mais complexo pois a OMC não permite subsídios às exportações.

Não obstante, é preciso reconhecer que em função do status em que se encontram as negociações multilaterais não será fácil para o Brasil manter as tarifas no setor industrial no futuro, muito menos aumentá-las. O preço de conseguir reduções significativas na proteção ao setor agrícola nos países da OCDE será a redução de tarifas industriais.

O caminho para que o setor doméstico que produz bens comercializáveis expanda sua participação no PIB é aumentar a competitividade, através de investimentos, capitalização das empresas, importações e redução do custo Brasil.

Nossa história econômica está repleta de exemplos das dificuldades de sustentação de um regime de câmbio administrado. O erro sistematicamente cometido no passado foi na direção oposta do que críticos do sistema atual propõem. No passado a moeda doméstica foi artificialmente valorizada com o objetivo de conter a inflação ou de reduzir o preço relativo dos alimentos. O exemplo mais recente foi a política cambial do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso que teve como consequência o aumento dos efeitos negativos sobre o Brasil das crises financeiras internacionais da segunda metade dos anos 1990.

Os defensores da administração cambial sustentam que o sucesso da política e seu custo dependem da imposição de controles à entrada de capitais externos. A despeito do fato de que a valorização do Real está em grande medida associada à desvalorização do dólar no mercado internacional, cabem dois comentários sobre controles de capitais. O primeiro é que não há nenhuma garantia de que os erros cometidos no passado não serão repetidos. Na década de 1980 o Brasil estava praticamente alijado do mercado internacional de capitais e mesmo assim a taxa de câmbio foi usada como forma de combate à inflação. Isto ocorreu no início da década com a prefixação artificialmente baixa da correção monetária, no meio da década com o Plano Cruzado e no final da década com o Plano Bresser e com o Plano Verão. Portanto, não seria de estranhar que a mudança no regime cambial provocasse uma desvalorização no curto prazo, mas que no futuro a tentação populista leve a moeda de volta aos valores atuais.

O segundo comentário é que um país que tem baixa poupança interna e que deseja crescer de forma sustentável a taxas da ordem de 5% a 6% ao ano não pode se dar ao luxo de ignorar a contribuição do capital externo. As perspectivas econômicas para o Brasil são boas e no momento o país está em uma situação econômica relativamente melhor do que os demais. É natural que haja interesse renovado por parte de investidores externos em trazer recursos para cá. Os recursos externos têm contribuído de maneira importante para a capitalização de empresas estabelecidas no país, conforme pode ser atestado pelas inúmeras operações de abertura de capital ocorridas nos últimos anos. Os recursos externos contribuem também para a expansão da indústria, tendo como exemplo emblemático os investimentos no setor de petróleo.

Um grupo de economistas argumenta que parte expressiva dos recursos que entram no país é de curto prazo e não irá contribuir para a sustentabilidade do crescimento. Caso o volume destes recursos fosse mesmo expressivo, deveríamos estar observando uma volatilidade de curto prazo muito maior na taxa de câmbio, porém não é isto que ocorre. A menos de uma interrupção devida à grave crise internacional, a moeda doméstica apresenta tendência sistemática de valorização desde que o Presidente Lula tomou posse em janeiro de 2003.

Adicionalmente deve se observar que é impossível identificar esses capitais por meio de controles administrativos. Muito provavelmente os controles administrativos serão ineficazes e mesmo que compreendam toda a conta de capital não há garantia de que serão bem sucedidos. E se o forem, comprometerão a capacidade de crescimento do país.

O caminho eficaz para reduzir o incentivo para a entrada de capitais especulativos é a retomada da trajetória de redução do déficit e da dívida publica com a redução da taxa de juros interna para patamares compatíveis com as taxas internacionais. Desta forma haverá maior consistência entre a rentabilidade dos títulos denominados em moeda doméstica e o fato de que o Brasil tem grau de investimento atribuído por três agências de avaliação de crédito. Apesar da trajetória de queda da Selic, o país tem o grau de investimento e paga juros como se os seus títulos tivessem classificações inferiores a esta. O surpreendente é que apesar disto, o volume de capitais especulativos seja relativamente baixo.

*Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.

domingo, 4 de outubro de 2009

Artigo publicado em O Globo em 29 de outubro de 2009

Leitura mal feita de Keynes

Antônio Salazar P. Brandão

John Maynard Keynes foi um dos economistas mais influentes de seu tempo, contribuindo de forma efetiva para mudar o pensamento econômico clássico que prevaleceu até por volta dos anos 30 do século XX. Suas idéias ajudaram países a superar a depressão de 1929 e continuaram a influenciar fortemente as políticas macroeconômicas até o final dos anos 1960. A exuberância da economia mundial após a Segunda Guerra Mundial não deu motivos para grandes revisões ou contestações aos paradigmas keynesianos, principalmente no que se refere ao ativismo fiscal.

A partir dos anos de 1970, entretanto, o mundo começou a mudar e um dos sintomas mais claros foram os aumentos das taxas de inflação que se observaram em muitos países. Nos Estados Unidos a inflação atingiu 13,5% em 1980 e na Inglaterra ela chegou 17,97% no mesmo ano, sendo este padrão recorrente em outros membros da OCDE. Nos demais países a situação foi ainda mais grave. A Argentina viveu um período inflacionário agudo, ocorrendo um crescimento de cerca de 3.000% no índice de preços ao consumidor em 1989. No Brasil fenômeno semelhante se deu no mesmo período, não sendo diferente a situação no Chile, no Uruguai e outros lugares.

Ocorreram nestes anos importantes revisões no pensamento macroeconômico com o ressurgimento de paradigmas anteriores às idéias de Keynes. Esta volta aos clássicos foi feita em um ambiente de grande efervescência intelectual e, tal como ocorreu na década de 1930, contribuiu para a formulação de políticas que reduziram a inflação em praticamente todos os países. O Plano Real no Brasil talvez marque o final da era das altas inflações nas principais economias do mundo.

A atuação dos governos durante a crise recente mostrou novamente a importância das idéias keynesianas em relação à política fiscal. A expansão dos gastos públicos, ao lado de políticas monetárias mais flexíveis, está conseguindo reverter o declínio do PIB mundial e afastou o fantasma de uma depressão de mesmas proporções da vivida nos anos 1930.

Mas não nos enganemos: a ressaca será longa e custosa. Elevados déficits públicos estão provocando aumentos das dívidas dos governos e estas, por sua vez, irão pressionar as taxas de juros nos mercados internacionais. Alguns países, inclusive o Brasil, poderão se ver diante de pressões inflacionárias importantes porque seus gastos aumentaram de maneira permanente ou quase permanente.

Uma conclusão singela desta breve descrição é que paradigmas econômicos que se mostraram úteis para a compreensão e modificação de realidades históricas diferentes não morrem. A cada dia a realidade muda e a cada dia é preciso reinterpretá-la e quando necessário nela interferir. Para isto, é fundamental o conhecimento das idéias e paradigmas existentes a cada momento, sendo igualmente importantes os esforços da pesquisa científica para adaptar estas idéias e para encontrar novos paradigmas.

Nos últimos 30 anos um intenso debate se travou entre macroeconomistas sem que houvesse vencedores. O paradigma teórico que é hoje consensual, ou quase consensual, incorpora elementos do pensamento clássico e do pensamento keynesiano, como a hipótese de racionalidade microeconômica, equilíbrio de mercados, expectativas racionais, rigidez de preços e salários, competição imperfeita e, como consequência, o fato de que a política monetária não é neutra no curto prazo. Esta síntese constitui-se em um arcabouço de grande utilidade para a análise dos problemas macroeconômicos da atualidade, tais como os episódios inflacionários dos anos 1970 – 1990 e a crise recente. Contribuirá também para que os governos encontrem maneiras menos custosas de enfrentar os desafios que se seguirão à crise atual.

Infelizmente no Brasil parece que muitos economistas influentes ainda ignoram estas lições da história e da teoria econômica e em função do sucesso das políticas adotadas no episódio recente insistem em defender de forma maniqueísta elementos isolados da teoria keynesiana como se fossem verdades incontestes. Destaca-se neste contexto o ativismo fiscal como instrumento para promover o crescimento econômico sustentável.

O próximo desafio a ser enfrentado pelo país será o de fazer com que a relação dívida / PIB diminua. Superávits primários maiores e déficits nominais menores serão necessários para que isto se materialize. Entretanto, o ajustamento irá ocorrer em um contexto no qual a trajetória de queda da taxa de juros provavelmente terá que ser interrompida tendo em vista pressões inflacionárias internas e o fato de que essas taxas aumentarão nas principais economias do mundo dificultará o financiamento externo. Ignorar tais restrições em defesa de continuidade da política fiscal expansionista irá retardar a retomada do crescimento sustentável e causar desequilíbrios internos semelhantes aos que vivenciamos no passado não muito distante.

Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ainda a política fiscal

Antônio Salazar P. Brandão

A partir do mês de outubro de 2008 os superávits primários do governo federal e do setor público começaram a diminuir como consequência da crise internacional. Observa-se que ocorre uma queda mais acentuada no superávit governo federal no período e isto se deve, em parte, aos cerca de quatorze bilhões de reais alocados ao fundo soberano em dezembro de 2008.

A receita do governo federal apresentou queda acentuada a partir de outubro e este processo deverá continuar durante o ano de 2009 induzido principalmente pela redução no nível da atividade econômica. As receitas dos governos estaduais e municipais também diminuíram.

Mas a redução do superávit primário do governo federal também está associada ao comportamento de sua despesa. Houve um aumento de cerca de R$ 4 bilhões entre outubro de 2008 e janeiro de 2009 considerando-se valores reais acumulados em 12 meses deflacionados pelo IPCA. Este aumento tem como principal causa as despesas com pessoal e encargos: no mesmo período elas cresceram em aproximadamente R$ 7 bilhões.

Incluindo o período anterior à eclosão dos problemas na economia americana e sua disseminação pelo mundo, notar que entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009 as receitas aumentaram 6%, a despesa total aumentou 4%, as despesas com pessoal e encargos aumentaram 7%, as despesas com benefícios previdenciários aumentaram 1% e as despesas de custeio e capital aumentaram 4%. Enfim, o problema do aumento de gastos não é novo. A novidade é que a receita está diminuindo.

A combinação de redução de receita e aumento de despesa com pessoal que se apresenta a partir de outubro de 2008 deve ser olhada com atenção pelos formuladores da política econômica. De um lado, porque existem muitas dificuldades para reduzir despesas com pessoal em curto prazo. De outro lado, o comportamento da receita depende do nível da atividade econômica cuja evolução será, em grande medida, determinada pela profundidade e pela duração da recessão mundial.

Neste quadro de aperto orçamentário o ajuste recairá sobre despesas de investimento. Este é um comportamento padrão de muitos governos que se vêm em situação de dificuldades orçamentárias. O governo brasileiro não deverá fugir à regra. Pressionado pelos interesses daqueles que se beneficiam dos gastos correntes e de seu aumento, o governo poderá reduzir ainda mais sua baixa taxa de investimento. Esta decisão irá encontrar resistências, mas estas são baseadas em ganhos que somente poderão se materializar no futuro e têm pouca capacidade de mobilizar e exercer pressão sobre o governo. Entretanto muitos dos beneficiários de maiores gastos correntes são prestadores de serviços públicos essenciais, como saúde e segurança, com grande capacidade de se mobilizar e pressionar o executivo, o legislativo e mesmo o judiciário para que tais despesas não sejam cortadas.

Não obstante, como argumentei neste blog na matéria do dia 6 de março, o aumento do investimento público é a maneira mais efetiva para dar os estímulos fiscais que reduzam os efeitos negativos da crise internacional sobre a economia. Além dos efeitos no curto prazo, o investimento público criará condições para garantir que o país volte a ter crescimento elevado e sustentável e para que suas empresas fiquem mais competitivas. Em outras palavras, para que o país saia mais forte desta crise.

Infelizmente está faltando uma diretriz estratégica para o Brasil. O governo federal não articulou uma visão para reagir à crise, apenas age pontualmente com medidas emergenciais tais como a redução do IPI dos automóveis, o programa recém anunciado de moradias, e cria figuras retóricas, tais como cofrinhos, marolinhas, tsunamis e outras, que desviam a atenção da sociedade e de alguns dos responsáveis pela formulação de políticas.

Uma visão estratégica neste momento deveria ser formulada em torno da idéia de aumentar o investimento público federal para 3% do PIB nos próximos dois ou três anos e mudar a composição das despesas públicas reduzindo gastos correntes. Com isto a economia será estimulada no presente e serão criadas condições para que as empresas brasileiras se tornem mais competitivas e tirem melhor proveito da retomada do crescimento mundial.

Montando sua estratégia em torno de uma visão desta natureza o governo não precisará se intimidar diante da redução de suas receitas. A reputação do Brasil melhorou nos últimos quinze ou dezesseis anos graças ao esforço que a sociedade e suas lideranças fizeram para conseguir a estabilidade da moeda e para sensibilizar os executivos do setor público sobre responsabilidade fiscal. Em vista disto é possível conviver temporariamente com superávits primários menores ou mesmo com déficits primários. A palavra chave é temporariamente.

Caso a estratégia seja consistente o governo não terá dificuldades em convencer a sociedade e principalmente os seus financiadores diretos de que maiores déficits nominais no presente serão compensados no futuro por superávits que garantam o pagamento tempestivo dos serviços da dívida pública. Os superávits futuros não terão que estar associados a aumentos da carga tributária. Primeiro porque as receitas voltarão a aumentar em consequência da retomada do crescimento econômico em condições melhores de competitividade para as empresas. Segundo porque os gastos correntes serão menores. Terceiro porque a redução em curso da taxa de juros diminui o custo financeiro associado à dívida pública. E por fim porque ao final de alguns anos a deficiência da infraestrutura será bem menor e o investimento público federal poderá ser reduzido para níveis mais baixos sem comprometer a capacidade de crescimento do país.

sexta-feira, 6 de março de 2009


Rio de Janeiro, 6 de março de 2009.
A crise internacional e a condução da política fiscal no Brasil


Antônio Salazar P. Brandão*

Com o intuito de reduzir os efeitos da crise internacional, os países desenvolvidos e muitos países em desenvolvimento estão tomando medidas de estímulo às suas economias. De um lado encontram-se iniciativas de natureza monetária que têm por objetivo aumentar a liquidez, restaurar os canais de concessão de crédito e estimular a demanda por bens e serviços através da redução das taxas de juros. De outro lado encontram-se iniciativas que estimulam diretamente a demanda por bens e serviços através de expansão dos gastos públicos e redução de impostos.

O governo brasileiro também está procurando fazer a sua parte para diminuir os impactos negativos sobre o país. A venda de dólares por parte do Banco Central bem como a redução do depósito compulsório dos bancos comerciais são iniciativas importantes para melhorar o fluxo de crédito para as empresas. A redução da taxa Selic, iniciada na reunião de janeiro do COPOM, poderá também estimular o consumo e o investimento.

A política fiscal, que consiste na administração dos gastos públicos e dos impostos, também faz parte das medidas que o governo está adotando. Porém a margem de manobra neste caso é menor pois no passado uma grande parte de receitas do setor público foi usada para aumentar despesas correntes, notadamente salários e programas de natureza social. Apesar disto os superávits primários foram mantidos pelo crescimento da arrecadação que veio na esteira do elevado crescimento do PIB. A partir de agora o governo já não pode contar com crescimento da receita para pagar os gastos. A receita diminui no momento em que os estímulos fiscais são mais necessários para compensar, ao menos em parte, os efeitos internos do baixo crescimento da economia mundial.

A redução de receita, entretanto, não pode inibir o governo de promover estímulos fiscais, mesmo que isto venha a reduzir o superávit primário. Não obstante, a escolha das formas e instrumentos para promover os estímulos é muito importante para que o objetivo seja atingido.

O Brasil conseguiu reduzir significativamente o grau de discricionariedade de sua política econômica nos últimos vinte anos. Como exemplos, lembramos que foram reduzidas em muito as intervenções nos mercados de produtos agrícolas, foram eliminados os sistemas de licença de importação e controle de exportação e a reforma tarifária reduziu o grau de heterogeneidade no valor da tarifa efetivamente paga por cada setor. A lei Kandir também reduziu de maneira importante o grau de discriminação em relação à exportação produtos primários e semi manufaturados.

Neste sentido, a redução do IPI que incide sobre a indústria automobilística é um retrocesso pois discrimina contra os demais setores e contribui para reduzir sua competitividade. Melhor seria reduzir o IPI de todas as indústrias. Segundo notícias recentes o governo federal está considerando permitir que o pagamento de prestações da casa própria seja interrompido por um período de três anos para pessoas que perderam emprego. Esta medida privilegia os desempregados que têm dívida imobiliária em relação àqueles que não têm. Melhor seria conceder benefício a todos os desempregados através de aumento no salário desemprego e também através de uma extensão do período de concessão do mesmo.

Outra medida que, segundo notícias recentes está sendo considerada pelo governo, é a doação de casas a pessoas de baixa renda. Digo doar pois o pagamento de prestações de R$20,00 / R$30,00 é efetivamente uma doação. Esta medida vai promover um estímulo para a indústria da construção civil que gera muitos empregos. Entretanto, obviamente não será possível atender em condições tão favoráveis a todos aqueles que desejam a casa própria e se qualificam para o programa. Há assim uma discriminação em favor de um grupo relativamente reduzido de pessoas. Uma dificuldade adicional é que os agraciados irão adquirir a casa própria como uma benesse do poder público e não como resultado do esforço de poupança das famílias.

É bom lembrar ainda que reduções de impostos diretos, como o imposto de renda, IPTU e outros podem não ser tão efetivas quanto parecem pois os beneficiados, diante das incertezas da crise econômica, poderão entesourar esta renda adicional ao invés de adquirir bens e serviços.

Estes são exemplos de que no terreno dos estímulos diretos para o crescimento da demanda por bens e serviços o governo brasileiro ainda não encontrou o caminho mais adequado. O país tem imensas deficiências de investimento público para recuperação da infraestrutura viária, para melhoria dos sistemas educacional e de saúde, bem como para melhorar a segurança pública. Por que não dar prioridade a estes investimentos ao invés de destinar os recursos para determinados grupos de indivíduos e de empresas em detrimento de outros indivíduos e empresas? Por que não abandonar o clientelismo e elevar o investimento público, que é inferior a 1% do PIB, para valores mais expressivos como 2%, ou mesmo 3%, do PIB? Caso isto seja feito, os estímulos fiscais reduzirão os efeitos da crise internacional sobre o país e, ao mesmo tempo, o governo estará fortalecendo os fundamentos para manter uma taxa de crescimento mais elevada no longo prazo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Limites da política fiscal

Limites da política fiscal

Antônio Salazar P. Brandão

O dilema fiscal tem estado presente em praticamente todos os debates sobre a sustentabilidade do crescimento de nossa economia. Nos últimos anos o governo praticou uma política fiscal pró cíclica, aproveitando-se da bonança advinda do crescimento da economia mundial, e dos conseqüentes superávits fiscais elevados, para aumentar gastos.

Não nos cabe analisar se estes gastos foram bons ou ruins. Esta é uma questão que cabe à população opinar através de seus representantes e, no momento oportuno, através do voto.

Entretanto, o fato é que ao aumentar seus gastos o governo provocou uma elevação da relação dívida interna / PIB, conforme mostram os dados oficiais. Ao lado disto, entretanto, a relação dívida total / PIB diminuiu. Esta redução foi obtida em conseqüência de amortizações da dívida externa e da acumulação de reservas internacionais, fatos que tornaram nosso país um credor externo líquido. Não obstante a situação externa relativamente confortável, a rolagem da dívida interna é um problema que deve ser resolvido essencialmente pela geração de superávits primários expressivos conforme mostramos em um trabalho recente (Brandão e Macedo, 2008).

A reviravolta da situação mundial traz à tona o problema da política macroeconômica anticíclica. O Banco Central está fazendo sua parte para prover a liquidez de que o sistema econômico precisa.

O Tesouro, por outro lado, deverá encontrar dificuldades para cumprir sua parte. As receitas irão diminuir com a desaceleração da economia e isto, por sua vez, reduzirá sua capacidade de prover estímulos fiscais nos próximos meses.

Não somente estará limitada a capacidade de estimular a economia através da política fiscal, mas muito provavelmente o governo será forçado a diminuir gastos durante a recessão mundial. No início da crise de 1929 alguns países, inclusive os Estados Unidos, influenciados por uma visão míope de orçamento equilibrado, fizeram exatamente isto. Em conseqüência, a redução de gastos provocou reduções expressivas da demanda agregada por bens e serviços aumentando ainda mais o desemprego e acentuando a queda de renda.

O dilema fiscal deverá se aguçar se, como parece ser o caso, a recessão mundial se mostrar duradoura e profunda. Nestas condições, seria desejável que, pelo menos, fossem mantidos os níveis atuais de gastos, ainda que à custa de redução do superávit primário e de aumento do déficit nominal.

Obviamente que isto não se faz sem custo. No futuro, quando acabar a recessão mundial, será necessário um esforço fiscal vigoroso para que o endividamento público diminua e permaneça em níveis aceitáveis para os financiadores do governo e para que a inflação e as taxas de juros reais fiquem em patamares compatíveis com a manutenção da competitividade das empresas brasileiras e com o crescimento sustentável de nossa economia.