Instrumento errado
Antônio Salazar P. Brandão*
Algumas análises do comportamento recente da taxa de câmbio no Brasil têm dado ênfase aos efeitos negativos da valorização do Real sobre a performance de segmentos do setor produtor de bens comercializáveis no país, notadamente produtos manufaturados. Tais análises chamam a atenção para a competição externa nos produtos da indústria brasileira, argumentando que a valorização de nossa moeda está reduzindo a competitividade dos segmentos que produzem para o mercado externo e também daqueles que produzem bens que competem com as importações. Alguns desses analistas vêm advogando a administração da taxa de câmbio e o controle da entrada de capitais.
O argumento desses analistas entretanto se baseia no instrumento errado para tratar problemas de baixa competitividade setorial. A forma adequada e transparente de proteger um setor da concorrência, se assim o país o desejar, são tarifas, instrumento aceito pelas regras da OMC. Dar proteção a produtores de bens exportáveis é mais complexo pois a OMC não permite subsídios às exportações.
Não obstante, é preciso reconhecer que em função do status em que se encontram as negociações multilaterais não será fácil para o Brasil manter as tarifas no setor industrial no futuro, muito menos aumentá-las. O preço de conseguir reduções significativas na proteção ao setor agrícola nos países da OCDE será a redução de tarifas industriais.
O caminho para que o setor doméstico que produz bens comercializáveis expanda sua participação no PIB é aumentar a competitividade, através de investimentos, capitalização das empresas, importações e redução do custo Brasil.
Nossa história econômica está repleta de exemplos das dificuldades de sustentação de um regime de câmbio administrado. O erro sistematicamente cometido no passado foi na direção oposta do que críticos do sistema atual propõem. No passado a moeda doméstica foi artificialmente valorizada com o objetivo de conter a inflação ou de reduzir o preço relativo dos alimentos. O exemplo mais recente foi a política cambial do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso que teve como consequência o aumento dos efeitos negativos sobre o Brasil das crises financeiras internacionais da segunda metade dos anos 1990.
Os defensores da administração cambial sustentam que o sucesso da política e seu custo dependem da imposição de controles à entrada de capitais externos. A despeito do fato de que a valorização do Real está em grande medida associada à desvalorização do dólar no mercado internacional, cabem dois comentários sobre controles de capitais. O primeiro é que não há nenhuma garantia de que os erros cometidos no passado não serão repetidos. Na década de 1980 o Brasil estava praticamente alijado do mercado internacional de capitais e mesmo assim a taxa de câmbio foi usada como forma de combate à inflação. Isto ocorreu no início da década com a prefixação artificialmente baixa da correção monetária, no meio da década com o Plano Cruzado e no final da década com o Plano Bresser e com o Plano Verão. Portanto, não seria de estranhar que a mudança no regime cambial provocasse uma desvalorização no curto prazo, mas que no futuro a tentação populista leve a moeda de volta aos valores atuais.
O segundo comentário é que um país que tem baixa poupança interna e que deseja crescer de forma sustentável a taxas da ordem de 5% a 6% ao ano não pode se dar ao luxo de ignorar a contribuição do capital externo. As perspectivas econômicas para o Brasil são boas e no momento o país está em uma situação econômica relativamente melhor do que os demais. É natural que haja interesse renovado por parte de investidores externos em trazer recursos para cá. Os recursos externos têm contribuído de maneira importante para a capitalização de empresas estabelecidas no país, conforme pode ser atestado pelas inúmeras operações de abertura de capital ocorridas nos últimos anos. Os recursos externos contribuem também para a expansão da indústria, tendo como exemplo emblemático os investimentos no setor de petróleo.
Um grupo de economistas argumenta que parte expressiva dos recursos que entram no país é de curto prazo e não irá contribuir para a sustentabilidade do crescimento. Caso o volume destes recursos fosse mesmo expressivo, deveríamos estar observando uma volatilidade de curto prazo muito maior na taxa de câmbio, porém não é isto que ocorre. A menos de uma interrupção devida à grave crise internacional, a moeda doméstica apresenta tendência sistemática de valorização desde que o Presidente Lula tomou posse em janeiro de 2003.
Adicionalmente deve se observar que é impossível identificar esses capitais por meio de controles administrativos. Muito provavelmente os controles administrativos serão ineficazes e mesmo que compreendam toda a conta de capital não há garantia de que serão bem sucedidos. E se o forem, comprometerão a capacidade de crescimento do país.
O caminho eficaz para reduzir o incentivo para a entrada de capitais especulativos é a retomada da trajetória de redução do déficit e da dívida publica com a redução da taxa de juros interna para patamares compatíveis com as taxas internacionais. Desta forma haverá maior consistência entre a rentabilidade dos títulos denominados em moeda doméstica e o fato de que o Brasil tem grau de investimento atribuído por três agências de avaliação de crédito. Apesar da trajetória de queda da Selic, o país tem o grau de investimento e paga juros como se os seus títulos tivessem classificações inferiores a esta. O surpreendente é que apesar disto, o volume de capitais especulativos seja relativamente baixo.
*Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.