Ainda a política fiscal
Antônio Salazar P. Brandão
A partir do mês de outubro de 2008 os superávits primários do governo federal e do setor público começaram a diminuir como consequência da crise internacional. Observa-se que ocorre uma queda mais acentuada no superávit governo federal no período e isto se deve, em parte, aos cerca de quatorze bilhões de reais alocados ao fundo soberano em dezembro de 2008.
A receita do governo federal apresentou queda acentuada a partir de outubro e este processo deverá continuar durante o ano de 2009 induzido principalmente pela redução no nível da atividade econômica. As receitas dos governos estaduais e municipais também diminuíram.
Mas a redução do superávit primário do governo federal também está associada ao comportamento de sua despesa. Houve um aumento de cerca de R$ 4 bilhões entre outubro de 2008 e janeiro de 2009 considerando-se valores reais acumulados em 12 meses deflacionados pelo IPCA. Este aumento tem como principal causa as despesas com pessoal e encargos: no mesmo período elas cresceram em aproximadamente R$ 7 bilhões.
Incluindo o período anterior à eclosão dos problemas na economia americana e sua disseminação pelo mundo, notar que entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009 as receitas aumentaram 6%, a despesa total aumentou 4%, as despesas com pessoal e encargos aumentaram 7%, as despesas com benefícios previdenciários aumentaram 1% e as despesas de custeio e capital aumentaram 4%. Enfim, o problema do aumento de gastos não é novo. A novidade é que a receita está diminuindo.
A combinação de redução de receita e aumento de despesa com pessoal que se apresenta a partir de outubro de 2008 deve ser olhada com atenção pelos formuladores da política econômica. De um lado, porque existem muitas dificuldades para reduzir despesas com pessoal em curto prazo. De outro lado, o comportamento da receita depende do nível da atividade econômica cuja evolução será, em grande medida, determinada pela profundidade e pela duração da recessão mundial.
Neste quadro de aperto orçamentário o ajuste recairá sobre despesas de investimento. Este é um comportamento padrão de muitos governos que se vêm em situação de dificuldades orçamentárias. O governo brasileiro não deverá fugir à regra. Pressionado pelos interesses daqueles que se beneficiam dos gastos correntes e de seu aumento, o governo poderá reduzir ainda mais sua baixa taxa de investimento. Esta decisão irá encontrar resistências, mas estas são baseadas em ganhos que somente poderão se materializar no futuro e têm pouca capacidade de mobilizar e exercer pressão sobre o governo. Entretanto muitos dos beneficiários de maiores gastos correntes são prestadores de serviços públicos essenciais, como saúde e segurança, com grande capacidade de se mobilizar e pressionar o executivo, o legislativo e mesmo o judiciário para que tais despesas não sejam cortadas.
Não obstante, como argumentei neste blog na matéria do dia 6 de março, o aumento do investimento público é a maneira mais efetiva para dar os estímulos fiscais que reduzam os efeitos negativos da crise internacional sobre a economia. Além dos efeitos no curto prazo, o investimento público criará condições para garantir que o país volte a ter crescimento elevado e sustentável e para que suas empresas fiquem mais competitivas. Em outras palavras, para que o país saia mais forte desta crise.
Infelizmente está faltando uma diretriz estratégica para o Brasil. O governo federal não articulou uma visão para reagir à crise, apenas age pontualmente com medidas emergenciais tais como a redução do IPI dos automóveis, o programa recém anunciado de moradias, e cria figuras retóricas, tais como cofrinhos, marolinhas, tsunamis e outras, que desviam a atenção da sociedade e de alguns dos responsáveis pela formulação de políticas.
Uma visão estratégica neste momento deveria ser formulada em torno da idéia de aumentar o investimento público federal para 3% do PIB nos próximos dois ou três anos e mudar a composição das despesas públicas reduzindo gastos correntes. Com isto a economia será estimulada no presente e serão criadas condições para que as empresas brasileiras se tornem mais competitivas e tirem melhor proveito da retomada do crescimento mundial.
Montando sua estratégia em torno de uma visão desta natureza o governo não precisará se intimidar diante da redução de suas receitas. A reputação do Brasil melhorou nos últimos quinze ou dezesseis anos graças ao esforço que a sociedade e suas lideranças fizeram para conseguir a estabilidade da moeda e para sensibilizar os executivos do setor público sobre responsabilidade fiscal. Em vista disto é possível conviver temporariamente com superávits primários menores ou mesmo com déficits primários. A palavra chave é temporariamente.
Caso a estratégia seja consistente o governo não terá dificuldades em convencer a sociedade e principalmente os seus financiadores diretos de que maiores déficits nominais no presente serão compensados no futuro por superávits que garantam o pagamento tempestivo dos serviços da dívida pública. Os superávits futuros não terão que estar associados a aumentos da carga tributária. Primeiro porque as receitas voltarão a aumentar em consequência da retomada do crescimento econômico em condições melhores de competitividade para as empresas. Segundo porque os gastos correntes serão menores. Terceiro porque a redução em curso da taxa de juros diminui o custo financeiro associado à dívida pública. E por fim porque ao final de alguns anos a deficiência da infraestrutura será bem menor e o investimento público federal poderá ser reduzido para níveis mais baixos sem comprometer a capacidade de crescimento do país.
7 comentários:
Professor,
Como já lhe falei, acredito que no Brasil a política fiscal tem margem de manobra reduzida – muito em virtude de seu caráter fortemente pró cíclico nos últimos anos. Diante disso, levanto as seguintes questões: 1) A redução do superávit primário realmente teria como conseqüência o aumento dos investimentos? 2) Caso a resposta seja negativa, vale a pena abrir mão, mesmo que temporariamente, da política de redução da dívida pública adotada nos últimos anos? E ainda, quais seriam os impactos dessa política na confiança dos agentes e na credibilidade da administração da dívida pública?
Em relação à falta de uma estratégia bem definida (e acredito que assim deva permanecer), levanto a seguinte questão: os sucessivos “pacotes temporários” não estariam apenas antecipando o consumo dos agentes, que esperam por maiores impostos no futuro para cobrir as crescentes despesas?
Parabéns pelo espaço.
Um abraço,
Guilherme Mercês
Professor, gostaria de saber sua opinião quanto a este fundo de petróleo que o governo quer implementar, seguindo o exemplo norueguês.
É viável \ racional pensar em um fundo num momento tão turbulento como essemesmo com queda das receitas, aumento das despesas, redução do superávit primário, crise iminente, etc?
Abraços,
Felipe Gil
Guilherme,
Vou responder por partes.
1. A redução do superavit primário não é um objetivo em si. O objetivo é aumentar investimentos e cortar gastos correntes. Neste contexto é que entendo que poderia ocorrer uma redução temporária no superávit primário.
2. Acho que o Brasil tem credibilidade para aceitar uma interrupção na trajetória de queda da relação dívida interna / PIB. A confiança e a credibilidade não serão afetadas se houver uma estratégia que indique que o processo é temporário. Passada a tempestade devemos ser capazes de retomar a redução da relação dívida interna / PIB para que fique em torno de 30%.
3. Por fim, responder a uma crise destas proporções sem uma estratégia é pouco efetivo. É necessário indicar de maneira clara o que vai ser feito e como será feito. Não havendo estratégia definida o governo será capturado pelos lobbies mais fortes.
Obrigado pelos comentários.
Felipe,
Acho que não é o momento adequado. É mais prudente aguardar até que a economia mundial comece a se recuperar.
Obrigado pela visita.
Como vai Professor?
Gostei muito do Blog, meus parabéns!
Com relação às alternativas que o Brasil tem para sair desta crise sem grandes seqüelas, gostaria de fazer um comentário:
Ano passado o governo negociou com os sindicatos, representantes do setor público, aumentos salariais até 2010, estes aumentos foram publicados através da MP-441 de 2008, o que posteriormente foi transformado em Lei.
Com isso, não acredito que o governo descumpra estes acordos, pois sabemos que em ano de eleição, o que menos o governo quer são desentendimentos com o funcionalismo.
Partindo desta premissa, não vejo grande poder de manobra para o governo reduzir os gastos correntes e, a situação pode ainda piorar, pois o fator previdenciário pode acabar e este tema conta com a pressão da oposição, sou leigo em assunto previdenciário, mas me parece que o fator previdenciário é base de um sistema previdenciário mais justo, ou pelo menos provoca uma distorção menor do que o antigo sistema.
Acredito que as taxas de investimento serão penalizadas e isto é muito preocupante.
Peço-lhe a opinião:
Não seria uma alternativa:
O Brasil, pelo menos no curto prazo, tentar focar seus investimentos na redução dos custos de transações e efetuar mudanças legais nos diversos sistemas, tais como o previdência, o tributário, penal.. etc ?
Acho que é meio utópico, pois as eleições estão chegando, mas não seria um passo importante?
Abraço, professor!
Bruno,
Obrigado pela visita.
Concordo que será muito dificil reduzir gastos correntes, principalmente aqueles ligados ao pagamento de salários e encargos, bem como aos programas sociais.
Entretanto isto terá um custo elevado pois o baixo nível dos investimentos públicos ira dificultar cada vez mais o crescimento do país. Este problema se agrava ainda mais em função dos elevados custos de transação e da elevada carga tributária existente no país.
Um abraço,
Salazar
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