Rio de Janeiro, 6 de março de 2009.
A crise internacional e a condução da política fiscal no Brasil
Antônio Salazar P. Brandão*
Com o intuito de reduzir os efeitos da crise internacional, os países desenvolvidos e muitos países em desenvolvimento estão tomando medidas de estímulo às suas economias. De um lado encontram-se iniciativas de natureza monetária que têm por objetivo aumentar a liquidez, restaurar os canais de concessão de crédito e estimular a demanda por bens e serviços através da redução das taxas de juros. De outro lado encontram-se iniciativas que estimulam diretamente a demanda por bens e serviços através de expansão dos gastos públicos e redução de impostos.
O governo brasileiro também está procurando fazer a sua parte para diminuir os impactos negativos sobre o país. A venda de dólares por parte do Banco Central bem como a redução do depósito compulsório dos bancos comerciais são iniciativas importantes para melhorar o fluxo de crédito para as empresas. A redução da taxa Selic, iniciada na reunião de janeiro do COPOM, poderá também estimular o consumo e o investimento.
A política fiscal, que consiste na administração dos gastos públicos e dos impostos, também faz parte das medidas que o governo está adotando. Porém a margem de manobra neste caso é menor pois no passado uma grande parte de receitas do setor público foi usada para aumentar despesas correntes, notadamente salários e programas de natureza social. Apesar disto os superávits primários foram mantidos pelo crescimento da arrecadação que veio na esteira do elevado crescimento do PIB. A partir de agora o governo já não pode contar com crescimento da receita para pagar os gastos. A receita diminui no momento em que os estímulos fiscais são mais necessários para compensar, ao menos em parte, os efeitos internos do baixo crescimento da economia mundial.
A redução de receita, entretanto, não pode inibir o governo de promover estímulos fiscais, mesmo que isto venha a reduzir o superávit primário. Não obstante, a escolha das formas e instrumentos para promover os estímulos é muito importante para que o objetivo seja atingido.
O Brasil conseguiu reduzir significativamente o grau de discricionariedade de sua política econômica nos últimos vinte anos. Como exemplos, lembramos que foram reduzidas em muito as intervenções nos mercados de produtos agrícolas, foram eliminados os sistemas de licença de importação e controle de exportação e a reforma tarifária reduziu o grau de heterogeneidade no valor da tarifa efetivamente paga por cada setor. A lei Kandir também reduziu de maneira importante o grau de discriminação em relação à exportação produtos primários e semi manufaturados.
Neste sentido, a redução do IPI que incide sobre a indústria automobilística é um retrocesso pois discrimina contra os demais setores e contribui para reduzir sua competitividade. Melhor seria reduzir o IPI de todas as indústrias. Segundo notícias recentes o governo federal está considerando permitir que o pagamento de prestações da casa própria seja interrompido por um período de três anos para pessoas que perderam emprego. Esta medida privilegia os desempregados que têm dívida imobiliária em relação àqueles que não têm. Melhor seria conceder benefício a todos os desempregados através de aumento no salário desemprego e também através de uma extensão do período de concessão do mesmo.
Outra medida que, segundo notícias recentes está sendo considerada pelo governo, é a doação de casas a pessoas de baixa renda. Digo doar pois o pagamento de prestações de R$20,00 / R$30,00 é efetivamente uma doação. Esta medida vai promover um estímulo para a indústria da construção civil que gera muitos empregos. Entretanto, obviamente não será possível atender em condições tão favoráveis a todos aqueles que desejam a casa própria e se qualificam para o programa. Há assim uma discriminação em favor de um grupo relativamente reduzido de pessoas. Uma dificuldade adicional é que os agraciados irão adquirir a casa própria como uma benesse do poder público e não como resultado do esforço de poupança das famílias.
É bom lembrar ainda que reduções de impostos diretos, como o imposto de renda, IPTU e outros podem não ser tão efetivas quanto parecem pois os beneficiados, diante das incertezas da crise econômica, poderão entesourar esta renda adicional ao invés de adquirir bens e serviços.
Estes são exemplos de que no terreno dos estímulos diretos para o crescimento da demanda por bens e serviços o governo brasileiro ainda não encontrou o caminho mais adequado. O país tem imensas deficiências de investimento público para recuperação da infraestrutura viária, para melhoria dos sistemas educacional e de saúde, bem como para melhorar a segurança pública. Por que não dar prioridade a estes investimentos ao invés de destinar os recursos para determinados grupos de indivíduos e de empresas em detrimento de outros indivíduos e empresas? Por que não abandonar o clientelismo e elevar o investimento público, que é inferior a 1% do PIB, para valores mais expressivos como 2%, ou mesmo 3%, do PIB? Caso isto seja feito, os estímulos fiscais reduzirão os efeitos da crise internacional sobre o país e, ao mesmo tempo, o governo estará fortalecendo os fundamentos para manter uma taxa de crescimento mais elevada no longo prazo.
6 comentários:
Professor Salazar
Parabéns pela iniciativa do blog.
Gostaria de colocar a seguinte questão: O que garante que as medidas adotadas (e pretendidas) terão um prazo final de adoção? Digo isso, pois é claro o viés eleitoral. A discussão em torno da prorrogação do incentivo da alíquota do IPI reflete essa minha preocupação, uma vez que os estoques já foram absorvidos. Uma discussão mais ampla de reforma tributária está cada vez mais distante dos anseios da sociedade. Enquanto isso, medidas de cunho imediatista e clientelista dominam cena.
Forte abraço.
Aurelio
Aurélio,
Um dos problemas de políticas discricinárias é que o administrador fica refém dos beneficários. Em vista disto torna-se muito difícil mudar ou descontinuar políticas desta natureza.
Um abraço,
Salazar
Mestre e Paraninfo,
É com prazer que recebo sua iniciativa em publicar artigos no blog.
As medidas econômicas tomadas por nossos governos são predominantemente míopes. O governo Lula vem com a continuidade nesse tipo de ação de governos anteriores. Será difícil uma nova época de ajustes macroeconômicos reais, como os feitos na era FHC.
Saudações do seu ex-aluno,
Rodrigo Branco
Rodrigo,
Obrigado pela visita.
Seu comentário sobre a miopia dos políticos é muito pertinente. Frequentemente as reformas exigem muito tempo e a taxa de impaciência dos políticos é grande.
Um abraço,
Salazar
Professor Salazar,
Gostaria de parabenrizá-lo pela iniciativa. Adicionei na minha lista para poder acompanhar a publicação dos artigos.
Ao ler esse artigo lembrei-me das aulas de Micro bem introdutórias citando os efeitos de transferências, subsídios, redução de impostos na restrição orçamentária.
Lembrei também de uma palestra que assisti aonde um ex-diretor do Banco Central disse que: "Leva-se o cavalo até o lago, mas não pode-se obrigá-lo a beber a água" referindo-se a reclamação de alguns políticos ao observar que os bancos não estavam incentivando o crédito após o Banco Central reduzir as taxas de depósitos compulsórios.
Essa frase encaixa-se perfeitamente no penúltimo parágrafo do seu artigo sobre o incentivo ao consumo ser através dos impostos diretos.
Abraços,
Anderson Portugal
Anderson,
Obrigado pela visita.
Vamos continuar a conversar sobre este temas neste Blog e em outros fóruns.
Um abraço,
Salazar
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